Com o aumento da prescrição de análogos de GLP1 tanto para o tratamento do diabetes tipo 2 quanto da obesidade, um tema que tem cada vez mais gerado dúvidas e debates é o tempo adequado de suspensão destes fármacos antes de procedimentos cirúrgicos. Afinal, esta classe medicamentosa reduz o esvaziamento gástrico, o que pode levar à persistência de conteúdo gástrico no momento da cirurgia, mesmo após jejum adequado.
Se por um lado, esta deve ser sim uma preocupação, especialmente pelo risco de broncoaspiração, por outro, não temos ainda estudos que respaldem uma conduta unificada e baseada em evidências. É por isso que as diferentes sociedades acabam discordando sobre o tempo ideal de suspensão dos análogos de GLP1.
A Sociedade Americana de Anestesiologia (SAA), numa tentativa de melhor guiar a conduta nestes casos, acabou de publicar uma recomendação sobre o tema. Os principais pontos de destaque do texto foram os seguintes:
- Para os análogos de GLP1 de uso diário, como a liraglutida, manter o uso até o dia anterior da cirurgia.
- Para os análogos de GLP1 de uso semanal, como a semaglutida, manter o uso até 7 dias antes da cirurgia.
- Em caso de presença de sintomas gastrointestinais no dia da cirurgia, tendo ou não ocorrido a suspensão orientada, sugere-se considerar o adiamento da cirurgia.
- Em caso de o paciente não ter realizado a suspensão orientada, sugere-se manter a cirurgia se não houver sintomas gastrointestinais no dia do procedimento; deve-se, no entanto, prosseguir com precauções para “estômago cheio” ou avaliar o conteúdo gástrico com ultrassonografia (no caso de “estômago cheio”, considerar o adiamento da cirurgia).
Estas recomendações da SAA vão de encontro às orientações da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), publicadas também este ano. No capítulo sobre “rastreio e controle da hiperglicemia no perioperatório” da diretriz da SBD, os autores recomendam a suspensão da liraglutida 2 dias antes da cirurgia e da semaglutida (oral ou subcutânea) 21 dias antes (para dulaglutida, a orientação foi de suspensão 15 dias antes).
Na falta de estudos específicos, a recomendação da SBD se baseou na meia-vida dos fármacos e no conceito de realizar a suspensão com 3 meias-vidas de antecedência.
Em meio a esta discordância de recomendações, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) se posicionou alguns dias após a publicação da recomendação da SAA, discordando dos seus autores. A SBA justifica que, não havendo evidências que norteiem o uso seguro dos análogos de GLP1 no perioperatório, sua posição é de concordar com as orientações da SBD.
Em meio a este verdadeiro imbróglio de orientações, só nos cabe torcer para que estudos que esclareçam melhor o tempo ideal de suspensão dos análogos de GLP1 antes de cirurgias surjam o mais rápido possível. Enquanto isso não acontece, o jeito é analisar os argumentos das diferentes sociedades e escolher quais consideramos mais plausíveis no momento.